setembro 25, 2014

Amor de Metrô

Tá cheio. 
É a linha azul às 18 horas de um domingo, é de se esperar. 
O empresário do meu lado parece impaciente olhando pro relógio de pulso, e só desvia a atenção pra checar a possível luz no fim do túnel. O vagão se aproxima, lento e descompromissado com a irritação do senhor que, impaciente, suspira. 
E, então, ela chega. Ela se senta, ela fica de pé, quem sabe segura uma criança. Quem é ela? Paixão de metrô, um dos meus prazeres mais platônicos. Quem é ela? Ela é linda porque não é nada demais. Ela é absolutamente cotidiana, ela é linda até a próxima estação. Ou será ainda a próxima? Não sei. Só sei que não sei há quanto tempo a tenho observado, dormindo, lendo, cantarolando baixo, fazendo nada, escrevendo algo, olhando desinteressada para os trilhos do metrô. 
Amor de metrô: dura até a próxima estação. Ou será a próxima? Não sei, mas ela é linda! Linda até a última estação, linda sem explicar, linda entre o Paraíso e a Consolação, linda no espaço de um vagão inteiro. Ela é demasia e suficiência, e ela se levanta, calma e oblíqua, como quem decidiu descer de repente. Mas não desce. Fica no meu trem até a próxima estação. Ou será a próxima? 
Cruzam-se as linhas coloridas do metrô e o vagão range os trilhos ao acelerar descompassado, mas ela nem sabe que já passei da minha estação há tempos. E, sem saber, ela me conduz no trilho do trem pra mais uma estação. Ou será talvez mais uma? Afinal, quem é ela? Ela é linda no vão entre o trem e a plataforma, ela é linda sem esforço e sem saber, e é corriqueira e comum e tola. 
Ela passa pelas catracas, ela senta ali no canto, ela diz algo ao telefone, ela olha, ela dorme, ela suspira, ela se mexe, ela rabisca. Ela desce na próxima estação. Ou será, talvez, na próxima? 
Ela é banal, ela é linda, ela é costumeira. 

Ela basta.

setembro 04, 2014

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Às vezes acho que o tempo só passa pra me lembrar que eu mudei; se eu não mudei, o tempo não passou. Por isso me sinto tão velho; mudei tanto em tão pouco tempo...
Passaram séculos da minha vida em uma só semana.

setembro 01, 2014

Amor Pirata

Veja bem: não é que piratas como eu não se apaixonam. Não é por desencanto, desamor ou descaso; é que por acaso os ventos meus e teus nos sopram pr'outros mares. E de males meu navio já está farto, meu amor. O papagaio no meu ombro só me conta desgraças, e este meu tapa-olho só serve pr'eu ver meias-verdades. Não sei se meu navio afunda com o peso disto tudo, nem sei se chegaremos à próxima cidade a tempo. Só sei que paixão de pirata não é porto, é vento. E me perdoe pelo meu amor torto, e pelo meu coração moleque que não faz nada além de soprar esses ventos. Meus pulmões estão cheios de sal do mar, mal consigo respirar novos ares.

Meu amor é vento, meu amor.

Vento a gente não pega na mão, vento a gente sente.
Vento não pára quando chega aqui ou ali; vento venta. Ventania, vendaval, brisa, maresia, mormaço, sopro, furacão. Tudo o que podes fazer, ao ver meu navio passar ao longe, é respirar. Respira e o vento se encarrega de te trazer aqui pr'mim. 
Respira e a maré te traz pelas ondas feito barco de papel.
Respira e os piratas vão aí te roubar pr'mim.
Respira que te roubo.
Respira que respiro.
Respira-me.

O vento há de te soprar no meu caminho.