Sem o menor
aviso, uma das lâmpadas da rua se apagou. Assim, sem mais nem menos. Para
qualquer transeunte, uma lâmpada a mais. Mas eu estava ali, com o olhar fixado
na sua luz, o globo de plástico já quente de ter ficado tanto tempo aceso. Sem
mais nem menos, a luz apagou. Os pombos continuavam ciscando, o vento quente
não mudou a direção. Mas a lâmpada apagou. Vai ver é isso que acontece com a
gente. Apaga uma luz na nossa rua assim, sem mais nem menos. E às vezes a gente
nem percebe, justamente porque tem um outro poste logo ali. Mas a noite fica
mais noite com uma lâmpada a menos. Sem uma lâmpada na minha rua, me vejo
menos, e melhor. Sem uma lâmpada, fico menos luz, mais noite. E quanta noite cabe
dentro da gente! A noite não é uma criança: a noite somos nós, com a cabeça no
travesseiro, objeto tão individual que deveria ser pessoal e intransferível. É
na noite que a nossa rua se acende, seja pra clarear o coração ou esconder
nossos defeitos no escuro. Mas juro que uma luz se apagou. Com uma lâmpada a
menos, meu travesseiro murchou. Ficou assim, murchinho. E minha cabeça agora
lateja no concreto da rua: corre pra avisar todo mundo, garanto que uma luz se
apagou! Sabe-se lá o que acontece nessa penumbra que divide a minha rua. É mau
agouro, dizem as más línguas. Dizem que poste apagado abre a porta pros
demônios. E que demônios, uma luz se apagou!
Sou a luz
apagada do poste. Sou esse vento, o mormaço. Sou os pombos ciscando ali na rua.
Minha rua é tudo isso, é mar calmo, é feira, é deserto. É uma rua cheia de
lâmpadas acesas, menos uma. Corre pra avisar, corre que lhe garanto: uma luz se
apagou na minha rua.